Tudo que é bom dura pouco e essa reunião não seria diferente. Todos já haviam se divertido, eu principalmente, mas a nostalgia invadiu meu peito e decidi dar uma caminhada pela floresta sozinho. As coisas não estavam lá das melhores com meus pais e estar reunido com toda a família e amigos quando meu velho não me dirigia bem a palavra me deixou um pouco frustrado. Estou tão errado por seguir o meu sonho? Já era noite, mas o caminho era iluminado por inúmeros frascos de vidro flutuantes de todos os tamanhos, com vagalumes que voam tranquilamente em seus interiores. Não pude deixar de sorrir enquanto caminhava pela pequena trilha de terra; o peito mais apertado a cada passada dada, respirando profundamente enquanto sou invadido por diversas memórias da minha infância.

Kevin não mudou nada e possui o mesmo sorriso de quatorze anos atrás. “Keviagem” ironizei retirando ambas as mãos dos bolsos, agarrando um frasco grande e o segurando em frente ao corpo. "Porquê revê-lo está mexendo tanto comigo?” é a pergunta que grita em minha cabeça desde aquele abraço a lembrança da primeira vez que nos esbarramos em Hogwarts se repete infinitas vezes, como um filme antigo no repeat.

Ele é o primeiro da família a ir para grifinória e eu o único da minha a não ser cogitado para ela, preso por quase quatro minutos naquela cadeira com o monólogo do chapéu seletor em minha cabeça, explicando suas dúvidas sobre me mandar para a sonserina ou corvinal. “Sonserina não!” Implorei diversas vezes e quando abri os olhos lá estava ele, sentado junto a mesa dos grifinos, rindo pra mim - ou de mim - e foi ali que ele se tornou o meu maior alicerce nos anos que se seguiram. Éramos diferentes, completamente diferentes, mas isso só fazia nos aproximar já que era essa diferença que nos aproximava ainda mais.

Hoje, preso no abraço dele, percebi que a saudade que sentia dele era diferente da que sentia de Lya, ou até mesmo de Ginny. Não consegui me contentar com ele, mesmo que não tenha feito nada pra mudar isso. Foi estranho, e agora? Estou confuso.

O que Kevin é pra mim?

Caminhei para fora da trilha e com a ponta do dedo empurrei alguns frascos aleatórios na direção em que eu seguiria. Um tronco caído, quase todo coberto por musgo a poucos metros da estrada de terra, foi avistado e foi pra lá que os direcionei, flutuando lentamente pelo ar. O grande frasco preso ao meu peito foi o último a assumir a posição no ar junto aos outros cinco menores. Uma meia luz para alguém que só precisa colocar as ideias no lugar. Me sentei com as pernas abertas usando-as como apoio para meus cotovelos; meu rosto escondido por entre as mãos, tapando os olhos fechados na tentativa de impedir que esse outro filme se iniciasse em minha mente, mas era tarde demais.

Era uma apresentação clandestina na torre de astrologia. A multidão amontoada mantinham os braços pra cima, seguindo o ritmo da música, mas eu estava parado com as costas apoiadas na parede, bem próximo a escadaria, ao lado de uma das janelas na tentativa de respirar. Nunca gostei de multidões ou lugares muito abafados, mas por algum motivo lá estava eu. Vidrado. Naquele momento não existia nada e nem ninguém ali. Era com se houvesse um único holofote sobre aquele palco improvisado de cadeiras e Kevin fosse o alvo dele.  Meu coração seguia o ritmo de sua guitarra - e nem era o meu estilo musical - e meus olhos os seus movimentos; foi aí que tudo parou! Ele sorriu pra mim e precisei descer as escadas depressa para não demonstrar o meu pisão em falso, quase resultando em uma queda.

Depois disso nos aproximamos e nos tornamos quem somos hoje, mas eis a questão: O quê nós somos?

Essa questão rondou minha mente por diversos anos e me guiou até aqui; hoje já não sei mais como resgatar a amizade que já tivemos, a admiração que já nos cercou. Ele é um amontoado de problemas e necessidades que já não tenho mais como ajudar, pois com a vida adulta adquiri os meus próprios e não estou dando conta de resolvê-los. Meu instinto protetor me leva sempre a cuidar dos outros e nos últimos anos que passamos juntos, ele sugou até a última gota da minha sanidade - já escassa -, jogando os dele sobre mim.

A resposta veio: Kevin foi um amigo. Hoje já não somos nada mais. Não é saudável a dependência dele de atenção e muito menos minhas explosões de humor, toda vez que ele gera mais um problema que só existe na própria cabeça.