E mais uma vez eu vou falar sobre a pilha de nervos que Aidriam se encontrava. Interrogar Nicholas o fez sentir o pior de sua profissão e cogitou a hipótese de que ele fosse culpado por uns instantes, ele sabia que o rapaz não controlava seus atos em meio suas crises. Decidiu não pensar nisso, daria a ele seu voto de confiança e faria de tudo para protegê-lo.

Olhou para a carta mais uma vez e bateu a lapiseira do lado contrário algumas vezes sobre a mesa tentando escolher melhor as palavras para explicar ao Delacour a situação em que ambos se encontravam. Lógico que não iria lhe enviar, mas a usaria para colocar as ideias em ordem para que pudessem ter uma conversa franca, rápida (ou não) na tentativa de salvar os anos de amizade que tinham. Gostava sim do rapaz, mas não com outros olhos além de amizade, talvez isso tenha passado dos limites e por comodidade, ou dependência, deixou se perder das rédeas e aos poucos sentia-se sufocado e sufocando o rapaz, que não merecia/precisava passar por tudo aquilo.

Seu quarto iluminado por diversas lâmpadas flutuantes em tons diferentes de vermelho e amarelo, deixando o sempre com aquela meia luz, semelhante a de uma fogueira. Sua cama não sem pés já que sua base é feita com um ressalto de madeira envernizada. Almofadas no chão, no canto, ao redor da mesinha baixa, feita com um tronco de pinheiro. Um criado mudo ao lado da cama, de madeira escura com três gavetas e próximo a grande janela retangular que pegava quase toda a extensão da parede um grupo de prateleiras suspensas e independentes espalhadas pela mesma, aquela pequena bancada com uma cadeira de rodinhas extremamente confortável.

Ainda enrolado na toalha o rapaz agarrou o celular para avisar a Barbie Malfoy que iria se atrasar um pouco, não que ela não soubesse. Terminou de se arrumar e quando agarrou sua T-shirt de mangas longas preta decidiu que não iria deixar o trabalho afetar aquela noite. Sua amiga fazia isso sempre que ele se afastava devido à seus problemas e não iria deixar nada atrapalhar esse ritual dos dois.

...

Era com toda certeza um dos dias mais frios do ano e lá estávamos nós, os três mosqueteiros, caminhando em passos lentos e espaçados devido a grande quantidade de neve - cobrindo até próximo de nossos joelhos. Brianna usava um gorro branco e um cachecol verde (da cor de sua casa), enquanto Marvel e eu estávamos muito bem agasalhados em roupas pretas. Os pares de patins pendurados em nossos ombros denunciava para qualquer um - não que houvesse alguém ali ou que soubessem dessa nossa fuga - que iríamos patinar em algum lugar, mas onde? Desde que a Barbie Malfoy e eu terminamos tudo melhorou entre a gente, nos tornamos muito mais amigos e isso a fez se aproximar de Marvel também.

— Você tem certeza que não irão sentir sua falta em na aula de herbologia? — perguntou Marvel ao dar um passo quase maior que suas pernas.

A loira riu debochada — Se eu quiser ser uma jardineira, cuido das plantas de vovó. E outra, com tantas doações dos meus pais para a escola, com toda certeza farão vista grossa, de novo. Há vantagens em ser... “popular” — esfregou o dedo indicador e o polegar ao falar a última palavra — e cadê Haley?

Me apoiei em um tronco de árvore para garantir que meu salto não resultasse em uma queda — Está presa em alguma aula que nem sequer se deu ao trabalho de me responder, aquela cdf. — brinquei enquanto me sentava em uma pedra e me preparava para calçar meus patins.

Sempre soubemos que aquela parte da floresta era estritamente proibida para alunos, mas aquele lago era tão convidativo. Ali podíamos ser nós mesmos, sem restrições, sem reclamações ou mesmo normas. Éramos só nós quatro (mesmo que Haley não estivesse ali naquele dia específico) e o mundo. Mesmo em dias de sol íamos pra lá, pra ler, fazer um piquenique ou apenas deitar a beira do lago e rir.

Brianna já estava no lago mostrando toda sua destreza sobre as finas lâminas que riscavam a superfície sólida e logo após Marvel se juntou a ela realizando uma reverência seguido de um gracejo “me concede a honra dessa dança?”. Fiquei por alguns segundos olhando para os dois simulando uma dança bem romântica e rindo juntos. Fiquei estagnado ali. Parado. Apenas olhando para os dois e não percebi meus lábios se curvarem em um singelo e discreto sorriso.

O vento frio deslizou sobre minha pele como uma lâmina fria cortando qualquer resquício de solidão que eu pudesse ter ou vir a ter depois de vislumbrar a sorte de tê-los comigo.

—  Ô, pamonha? Você não vem? — Marvel gritou enquanto deslizava em alta velocidade e logo após impulsionando a loira com o braço a ajudando a desafiar uma das únicas leis inquebráveis do universo (a gravidade) num salto seguido por um giro. Me coloquei de pé e segui ao encontro deles deslizando lentamente pelo rio congelado.

...

No meio dessa viagem as suas memórias Aidriam já estava pronto e diante da porta do lounge bar em que iria se encontrar com sua amiga, entrou e o sino anunciou sua entrada e a loira acenou ao vê-lo ali, como sempre fazia. A mesma mesa, o mesmo pedido e a mesma sensação de paz de sempre. Ele se aproximou tirando o echarpe cinza e lançou sobre a mesa sentando ao lado dela já debruçando sobre o ombro da mulher, que seria para sempre sua “menininha”.

— Eu já disse que te amo e agradeci por te ter em minha vida? — a olhou com o canto dos olhos tendo a visão de suas narinas daquele ângulo enfiando o dedo dentro de uma delas — você não sabe como eu precisava disso, obrigado!

E não mentiu! ⚊ comentou ao fazer um bico por ter seu ataque interceptado pelas mãos dela ⚊Mas te amo por outras coisas também. Teu cheiro me acalma, você me paga pipoca no cinema, não come minha mostarda e me da a sua... ⚊ falou enquanto numerava nos dedos ⚊ Viu? Bastante coisa. Por falar em comida, cadê a batata? ⚊ no exato momento o garçom se aproximou e sorriu para eles ⚊ Tá bonitão, hein Sebastian. Namorada nova, aposto. ⚊ o senhorzinho de idade bem avançada sorriu para eles e acenou positivamente com a cabeça enquanto deslizava os pés pelo chão em uma dança estranha que acaricia a barriga. Se aproximou, deixou a batata e saiu rapidamente para atender uma mesa atrás deles. O sorriso de Aidriam era enorme, dava pra ver todos os seus dentes, pois sempre que estava muito feliz sorria de boca aberta com aquela gargalhada que ia e vinha em intervalo de segundos.

⚊ Tu viu? ⚊ agarrou duas batatas, molhou na mostarda e comeu e prosseguiu por entre uma mastigada e outra ⚊ O cara está melhor que eu. ⚊ arregalou os olhos quando ouviu que Ben estava bancando e acenou para o garçom pedindo uma porção de queijo em cubos e azeitonas sem caroços. Já que ia sair do bolso do Malfoy, porque não aproveitar um pouco mais?

Brianna entrou no assunto do ministério e ele bateu a cabeça levemente na mesa três vezes consecutivas e debruçou sobre a mesma, deslizando a mão com dificuldade até a bacia de batata, simulando estar morrendo ou algo do tipo. Quando agarra a batata a leva até a boca da mesma forma e quando a come, vira o rosto rapidamente para a loira com uma cara de choro.

⚊ Eu queria poder explodir hoje em mil Aidriamzinhos e sumir. ⚊ acertou a postura na cadeira e seu semblante caiu um pouco deixando nítido seu real estado para a amiga ⚊ Está tudo um caos. Maise acha que foi Nicholas, mas consegui deixar o interrogatório dele comigo. O pior é que me sinto culpado. Se eu não o tivesse chamadom isso não teria acontecido. Agora ele é suspeito de um crime que não cometeu e veio me visitar com aquele sorriso gentil enquanto o motivo da vinda dele era acertar as coisas e tentar sermos só amigos. ⚊ nesse momento a barbie pediu a garrafa de vinho e com toda certeza ela já havia percebido que o assunto iria render. ⚊ Nicholas é um cara incrível, mas... ⚊ ele parou e esfregou os olhos ⚊ Não sei, só sei que estou exausto e não sei o que fazer...

Existem diversas coisas nesse mundo capazes de nos causar um surto e nos deixar completamente desnorteados, mas poucas que podem nos fazer sentir segura e em paz. Naquele momento o mundo podia desabar lá fora, ele estava em paz. Estar com Brianna era uma de suas únicas válvulas de escape para todas as obrigações ministeriais e familiares. Ergueu a taça e brindou com ela, como se fosse a primeira vez que fizeram todo esse ritual, e sorriu ajeitando os cabelos que foram ouriçados por ela. — Eu sei que Maise não pode prendê-lo se não houver provas, mas eis meu medo... — solveu um gole no vinho e o saboreou fechando os olhos por uns segundos analisando de que safra podia ser e prosseguiu — Ela não vai descansar até que tenha algo contra alguém. A ministra... — abaixou um pouco a voz e se aproximou do rosto da loira — a ministra foi morta debaixo de nossos narizes, Bri. Todo o mundo bruxo está olhando e apontando pra nós e esse pesa, que pra mim não é tão incomodo, pra Maise é pesado demais. Tudo recai sobre ela. Todos os oitocentos e noventa e nove casos que ela resolver com maestria serão jogados no esquecimento caso ela não dê um jeito nesse. — estalou a língua no céu da boca e sussurrou pra si mesmo "2020, o ano do corona virus. Que Merlim nos proteja" e prosseguiu — O meu medo é Nicholas surtar com algo e fazer algo suspeito. Preciso de sua ajuda nisso. — deixou a taça sobre a mesa e agarrou a mão da loira — Eu vou conversar com ele quando chegar em casa, e vou levar ele pra sua casa até isso acabar, tudo bem por ti? Ele não vai reagir bem com o que tenho pra falar e... seria melhor esperar isso tudo passar, né?